sexta-feira, março 24

MEIA-LUZ


MEIA-LUZ
Vera Vilela

Eram 11 horas da noite quando ouvi o sino da igreja tocar. No quarto, o clarão da lua iluminava o corpo de Amália, à meia-luz, realçando sua pele branca, seus cabelos negros e os seus olhos semi-abertos, de um azul profundo; lábios vermelhos de batom, sua cor preferida. No ar, cheiro do amor, suor, sândalo. Minha vontade era apenas ficar ali, sentado no canto da parede admirando aquele corpo amado. Minhas mãos se esfregavam unidas, úmidas. A menos de uma hora Amália e eu dançávamos. Ela sussurrava a música em meu ouvido:


"Strumming my pain with his fingers, Singing my life with his words,Killing me softly with his song, Killing me softly with his song,Telling my whole life with his words, Killing me softly with his song ... "

Foi impossível resistir àquela voz quente, rouca. Minha pele se arrepiou e um desejo louco tomou conta do meu corpo. Abracei-a forte, até sentir seu coração compassado ao meu. Nos beijamos durante muito tempo, dançávamos e nos beijávamos, apertados, viajando ao som da música.

Olho novamente para Amália. Um corpo perfeito de menina mulher. Vejo no chão o disco quebrado. Roberta Flack: “Strumming my pain with his fingers…” Jamais negaria qualquer coisa a esta mulher.

Meus dedos, minhas mãos. Levei Amália nos braços até a cama. Deitei-a delicadamente e percorri cada pedaço do seu corpo, primeiro com os dedos – causando por vezes suspiros profundos –, depois, com minha boca, eu redesenhei a rota dos dedos.

Ela suplicava!
“Killing me softly with his song”

Minha canção era meus dedos. Amália continuava suspirando e cantando.

Nos entregamos finalmente à loucura de nossa paixão. Finalizamos nossa entrega e, juntos, explodimos num prazer como nunca nenhum dos dois havia experimentado.

Amália continuava, cantava, gemia e suspirava. Balançava a cabeça como que zonza de tanto amor. A Lua aparecia e se escondia por trás de seu corpo:
“He sang as if he knew me, and all my dark despair and then he looked right through me as if I wasn't there And there he was this young boy, singing clear and strong..”

Estendi minha mão. Ao puxá-la, vi em sua mão uma adaga. Ela me entregou e mostrou seu coração.

Agora Amália está ali. Seu corpo branco, pele macia... fria.


“Telling my whole life with his words, Killing me softly with his song ...”

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