MUITO NOVA PARA SE APOSENTAR.
Vera Vilela
Dias atrás eu ouvi uma frase que vez por outra ando ouvindo:
- Nossa! Mas você é muito nova para se aposentar.
A frase é dita como se eu estivesse cometendo algum pecado, pois à estas pessoas quero contar algumas coisas.
Eu comecei a trabalhar (com registro em carteira, porque antes já trabalhava) aos 15 anos de idade, em plena adolescência, período de me divertir, namorar, estudar. Saía de casa ainda escuro com um passe de ônibus na mão e a marmita com arroz, feijão e ovo, ou um pedaço de frango, ou carne na bolsa, do serviço ia direto para a escola e por várias vezes apertava o estômago com as mãos para abafar o ronco de fome. Chegava em casa depois das 23 h, tão cansada que, às vezes, nem tinha coragem de comer.
Para poder ir num baile ou festa tinha que comprar roupa a prazo e só ir à outra festa quando terminasse de pagar. O salário era entregue na mão da mãe e ela comprava os passes para o ônibus, nunca andava com dinheiro nenhum na mão.
Assim foi até os 18 anos quando consegui passar em um concurso para o banco do estado e finalmente ganhar um pouco mais que o salário mínimo.
Quando finalmente ia poder usufruir um pouco da vida casei e tive meu filho, a juventude ficou então para trás.
Durante os 27 anos de trabalho eu vi e sofri de tudo, agüentei gerentes e chefes que se achavam donos do banco, colegas que, para conseguir uma promoção, pisavam em tudo e em todos.
Cheguei a trabalhar 12 horas seguidas autenticando documentos no caixa, sem receber 1 centavo pelas horas extras – a carga horária normal era 6 horas.
Larguei filho doente em casa, troquei centenas de empregadas, fui acusada de largar os meus filhos pela própria família, muitas vezes.
Sustentei minha casa com o suor e esforço do meu rosto e de mais ninguém. Chegava muitas vezes, cansada, exausta, a beira de um colapso nervoso, por problemas, diferenças, ameaças, etc... Muitas vezes o que eu ouvia fora do banco era apenas que eu era trouxa de me esforçar tanto, que devia dar mais atenção à família (aquela mesma que dependia de mim).
Muitas vezes pensava que não agüentaria as dores nos braços, mãos travadas, doença ocupacional que nunca era diagnosticada (hoje ainda tem isso), ninguém assumia que alguém se acidentava digitando. A única coisa a fazer era tomar remédio para dores, por conta própria.
Em casa as dores eram tratadas também como frescura. Era uma solidão só.
As pessoas que podiam me apoiar tinham ciúmes do meu emprego, da minha competência e de tudo mais que me cercava.
Fui afastada pelo trabalho de meus filhos durante 2 anos e meio, e só agüentei porque sabia que eles dependiam de mim para viver. Os filhos que jamais ficaram sem mim por uma noite sequer, ficavam a semana toda longe, em idades que necessitavam demais de minha presença.
E assim foi a vida toda, trabalhando cada vez mais para manter o emprego. As coisas pioraram muito quando começou a se mostrar o fantasma da privatização, o arrastão que houve em São Paulo nas empresas estatais, muito dinheiro, muita gente envolvida e interessada em detonar com o patrimônio público.
Foram anos de sofrimento e amargura. Se os administradores do banco já se achavam donos, agora faziam um verdadeiro terror com os funcionários, ameaças de demissão, transferências, intimidações mil!
Finalmente a empresa foi presenteada a estrangeiros, claro!
A partir daí só sofrimento, lágrimas, amigos sendo demitidos, gente competente e séria indo para a rua e dando lugar a pessoas totalmente despreparadas.
Mas eu consegui! Aleluia! Consegui chegar ao final dos 30 anos de serviço, lesionada, com tendinite, tenossivite, bursite e tantos ites que não lembro mais. Somente pela doença que aos poucos foi me aniquilando consegui chegar ao final, pois ganhei estabilidade no emprego por conta da doença, graças a um diagnóstico sem medo de uma médica que merece e honra o diploma que tem na parede de seu consultório, que enfrentou as pressões junto comigo.
Tudo isso para um(a) vagabundo(a) qualquer que nunca agüentou pressão nenhuma, nem parou em emprego algum ou ainda que viveu a vida toda nas costas do pai, mãe, esposa, esposo ou filhos chegar e dizer:
- Nossa! Mas você é muito nova para se aposentar.
Sim! Eu me aposentei nova, porém cumpri com a lei, uma lei que não era a mesma, que foi mudada no fim do jogo, aos 40 minutos do segundo tempo. Ao invés de me aposentar com 25 anos de serviço como aqueles gerentes e chefes puxa-sacos, eu me aposentei com 30 anos de serviço, quando eu realmente já não tinha mais força nas mãos para segurar sequer um copo para lavar.
Ao contrário de mim, vejo várias pessoas que começaram trabalhar muito mais velha que eu e já estão se aposentando por idade. Esses sim se deram bem.