sexta-feira, fevereiro 2

O DIA DA LIBERDADE


O DIA DA LIBERDADE
Vera Vilela



Amélia ainda se lembra quando, há 5 anos, o marido resolveu passar o dia na praia com ela e os filhos. Rafael veio de carro com os apetrechos e comida. Ela veio a pé com os filhos chorando o caminho todo porque seus pezinhos estavam queimando. Eles eram proibidos de entrar no carro com o pé sujo de areia.

Após 2 horas de passeio o caçula da família espetou o pé dentro da água e voltou chorando com o pé sangrando. Rafael já se levantou bravo e encheu de palmadas o filho por ter se machucado. Xingou a mulher por não cuidar direito dos filhos, pegou uma cerveja e tomou-a num gole só.

O caçula chorava incomodando o pai. Este então, muito bravo, pegou a toalha que estava na cadeira e chicoteou o menino até suas costas avermelharem. Amélia em desespero gritava, mas, quanto mais ela gritava, mais ele batia. O menino revirou os olhos e os fechou de vez com um chute que Rafael desferiu em sua cabeça. A mãe apavorada tentava inutilmente segurar o marido, mas, ele a jogava longe toda vez que se aproximava.

Na última tentativa ela caiu sobre o isopor com cerveja virando-a e fazendo um dos cascos quebrarem. Ela olhou e viu a garrafa partida, seus olhos faiscaram quando percebeu que aquela podia ser a sua salvação e do filho.

Pegou pelo gargalo da garrafa e desferiu um golpe em seu marido. Acertou sua cabeça. Ele virou-se com ódio e ela enterrou a garrafa em sua garganta, fazendo o sangue jorrar em bica do lado de seu pescoço.

Pegou os dois filhos e os colocou dentro do carro, ouvia o marido gritar por socorro. Antes que pudesse mudar de idéia e ir até ele, os gritos cessaram.
Seu filho mais novo acordou do desmaio e nada entendia, o mais velho tinha a cabeça abaixada e fingia nada ver. Como era outono e a praia estava deserta, ela resolveu levar os filhos até em casa e voltar.

Trancou-os e pediu que não atendessem a ninguém.

Voltou até a praia e percebeu que o marido estava morto, nada mais podia ou queria fazer. Arrastou-o com dificuldade até o carro, jogou no porta malas já forrado com plástico de cobertura.

Com calma conduziu o corpo do marido até o cais e o lançou no mar. Foi para casa, lavou todo o carro. Voltou para a praia e com um pá, removeu o sangue da areia junto com os cacos de garrafas.

Às 10 horas do dia seguinte ela foi até a delegacia e registrou o desaparecimento do marido que já era conhecido por sua violência com a família.

O corpo nunca apareceu e ela continua, sempre no mesmo dia do ano, comparecendo ao cais, joga flores ao mar, abaixa a cabeça e diz bem baixinho:

-Queime no fogo do inferno, miserável!

Faz o sinal da cruz e vai embora.

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