quinta-feira, fevereiro 1

SEM ADEUS


SEM ADEUS!
Vera Vilela


Augusto chegou até a porta do quarto do filho pela primeira vez desde o dia em que tudo aconteceu.A primeira coisa que viu, quando entrou, foi um porta-retrato sobre a cômoda. Nele estava Rodrigo, com apenas dois anos de idade, as pernas enlaçadas no pescoço do pai, mãos soltas, para cima, no ar, mostrando a grande confiança que os filhos têm nos pais.

Entrou e se sentou na cama – a colcha com o símbolo do time do coração, o mesmo que o do pai. Olhou em volta, entre tantos conjuntos e bandas de rock, está o pôster dos Beatles que lhe dera quando fez cinco anos. Na porta do armário, outra foto: os pais juntos, abraçados, tirada há oito anos, antes da separação.

Encheu-se de coragem e pegou o grosso diário na gaveta cheio de recordações. Na capa, um desenho estranho colado com o nome "sepultura". Será algum conjunto de rock?

Abriu as páginas, viu que não se tratava de um diário comum; nelas estavam gravados vários anos da vida de seu filho, mostrando passagens de meses, anos, muitas anotações, papéis de bala, recortes de jornais, guardanapos de papel com batom.

Não sabia de nada do filho. Não sabia os nomes de seus amigos, das namoradas, paqueras. Tudo aquilo ali, dentro do diário, era a vida do seu filho. Ele sentou-se na cama e mergulhou na leitura, folha após folha, percebendo que ele começou a escrever com 10 anos de idade, exatamente no dia de sua separação. A primeira frase teve o efeito de um soco na cara:


"Ele foi embora. O que será de mim agora? Quem tomará conta de minha mãe? Quem vai me explicar as tantas coisas que preciso saber? Acho que ele nunca mais voltará. Nem ao menos me disse adeus. Nem me perguntou se quero ir embora com ele. Eu queria".

As lágrimas começaram a correr pelo rosto, pingando sobre o diário. Ele protegeu o diário no peito e chorou.

Quando se acalmou, voltou à sua leitura. Várias páginas seguintes - uma verdadeira batalha emocional do filho - Rodrigo descreve toda a sua angústia e saudade do pai. Disse que ouviu várias ligações entre os pais, que se digladiaram durante meses a fim de partilhar seus bens.

- Como pude te fazer isso, Rodrigo? – pensou tristemente Augusto.

Na próxima página, a estréia de Rodrigo no time principal de futebol na escola.
- Hoje estréio no time da escola. Mamãe convidou todos os parentes para me verem jogar. Pediu ao tio Gustavo que me leve, para que eu não chegue ao estádio com a mãe à tiracolo. Ela sempre pensa em tudo, mas, o que eu queria mesmo era meu pai aqui. Ele sempre gostou tanto de futebol, ia ficar orgulhoso de mim!

Mais uma pausa para Augusto chorar. Ele jamais viu o filho disputar uma partida de futebol, nunca ligou para saber. A sua ex-mulher ligou várias vezes, o chamando para ver o filho, mas seu orgulho de macho abandonado falou mais alto que o instinto paterno. Em oito anos ele nunca mais voltára a falar com o filho.

- Quanto tempo perdido! – pensou Augusto – Que Egoísmo!

Abriu novamente e folheou algumas páginas. Chegou a uma em especial, de dois anos atrás, um recorte de jornal com sua foto e a manchete ”Augusto Medeiros é o novo presidente da multinacional DANGER'S!”

Releu aquela notícia toda e no fim da página uma anotação:

“Decidi! Vou cursar administração de empresas, como meu pai!”

Augusto chorou sem parar. Ele escolhera sua profissão, seu esporte, seu corte de cabelo, seu conjunto de rock, sua aparência física, enfim, ele era seu modelo.

Encheu-se de coragem e foi até a última página – a da despedida! Então leu:

”Hoje faz exatamente oito anos que a pessoa que mais admirei no mundo se foi. Ele foi e nunca mais voltou. Esperei dias, meses, anos e nada. Não suporto mais esta espera sem fim. Sinto que o mundo perdeu o sentido. Vivi para agradar meus pais, principalmente meu herói, aquele que me contava histórias antes de dormir, aquele que me levava para pescar e, juntos passávamos o dia todo conversando. Não agradei a ninguém e, principalmente, não agradei a mim. Faço força para me fingir normal, alegre, mas esta força toda se foi. Minha espera terminou. Li hoje, no jornal, que meu pai foi convidado para presidir a sede de uma filial da empresa, que será inaugurada no Canadá. Ele viajou nesta manhã. Nem ao menos um adeus... novamente.”

Augusto soluçou alto, Margareth entrou no quarto, sentou-se ao lado de Augusto e o confortou com as mãos em suas costas. Augusto respirou fundo e voltou à página.

Abaixo da escrita tem o recorte com a notícia da sua promoção, mais abaixo outra mensagem de Rodrigo.

”Durante estes oito anos mamãe nunca mais teve outro homem, ela sabe que eu não suportaria, seria como desistir da espera. Para agüentar tudo isso ela cada vez mais tem tomado vários comprimidos, calmantes, e outras drogas que nem sei dizer para que são. Estão todas aqui.”

A seguir um recado para sua mãe:

“Deixo aqui uma carta para você e outra para o Senhor Augusto.”

"Mamãe: não ousei tomar seus remédios, pois sei que não se perdoaria jamais. Por isso deixo-os aqui para que veja que nada tem a ver com o que estou fazendo. Eu te amo muito minha mãe, e sei que me ama também. Não chore, pois quando ler este recado creia-me: estarei muito feliz! Te amarei eternamente!".


"Senhor Augusto: sinto ter te decepcionado tanto. A partir de agora, não mais precisarei te esperar. Vou ao encontro do meu Pai maior, aquele que nunca abandona seus filhos. Minha mãe me ensinou que você sempre foi muito religioso, por isso, rezarei um Pai-Nosso antes de ir."

Augusto levantou-se, atravessou o quarto e todas as recordações do filho amado. Foi até a sala, olhou em volta e deixou a sua cabeça vaguear em lembranças. Seu choro parou repentinamente. Olhou para Margareth, que chorava desesperadamente. Virou-se e saiu. Mais uma vez... sem adeus.


26/04/2004

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