segunda-feira, janeiro 29

DIVERSIDADES E ADVERSIDADES DA VIDA.


DIVERSIDADES E ADVERSIDADES DA VIDA.
Vera Vilela


Maria Luiza acordou em clima de festa. Sua casa toda enfeitada, perfume de flores no ar, incenso de jasmim - seu preferido - um belo café da manhã a aguardava. Tomou um banho morno, quase frio, e sentiu todo seu corpo acordar, arrepiou-se e sorriu. Colocou apenas um roupão de banho e desceu para seu desjejum. Na mesa uma cesta de lírios brancos com um cartão:

- Estes lírios representam a pureza do nosso amor. Te amo para sempre. Assinado - João Vitor.

Ela quase não consegue segurar as lágrimas de emoção, mas, hoje será o dia mais feliz da sua vida, não vai chorar. O dia será longo, dentro de instantes chegarão: o massagista, a manicura, a cabeleireira, enfim, um exército armado para deixá-la ainda mais linda, como se fosse possível.

Quando volta ao seu quarto, tudo já está arrumado, janelas abertas, o sol da manhã invadindo quase todo o seu quarto, só pára quando encontra uma barreira branca, um manequim com o lindo vestido branco cravejado de cristais que a aguarda. Seus olhos lacrimejam mais uma vez ao imaginar-se dentro dele.

***
Do outro lado da cidade:

Maria acabou de acordar, esfrega os olhos e sorri, lembra-se da sua despedida de solteira com as amigas até de madrugada. Resolveram comemorar em um forró, dançando e bebendo até de madrugada. Nem se lembra direito como chegou em casa, só sabe que o noivo apareceu na festa e dançaram até se cansar.

Foi ao banheiro escovou os dentes, lavou o rosto e correu para a cozinha tomar seu café. Percebeu que sua mãe já havia deixado sobre a mesa, o seu leite com Nescau e um pãozinho com manteiga - ela sentiria saudade desses mimos.

Provavelmente sua mãe teria ido até a granja buscar umas galinhas pra matar, cozinhar, desfiar e fazer os lanchinhos para os parentes que viriam ao casório. O bolo elas fizeram no dia anterior, um delicioso bolo recheado de goiabada e coberto com claras de ovos.

Foi até o fundo do quintal, entrou no banheiro e tomou um banho frio para acordar. Enrolou-se na toalha e voltou para o quarto, empurrou as caixas de presentes que chegaram e se amontoavam ao lado da cama, e se penteou, resolveu ela mesma secar o cabelo.

Viu, da janela, sua madrinha de casamento chegar com uma caixa enorme, dentro estava o vestido de noiva emprestado. O vestido era lindo, quatro pessoas de sua família já haviam se casado com ele.

Eneida viria penteá-la e colocar o véu e a grinalda por volta das 18 horas e sua irmã faria suas unhas enquanto isso.

***

Voltando à zona sul - 20 horas - Maria Luíza chega à porta da igreja, está majestosa, perfeita.

Sua mãe pede que espere ainda alguns minutos dentro do carro, pois o noivo ainda não chegou. Após mais de meia hora de atraso, a noiva sai do carro e aguarda em pé. O que poderia ter acontecido com João Vitor? Ele sempre foi pontual em tudo. Algum imprevisto, com certeza.

Aos poucos as pessoas abandonam a igreja, após uma hora e meia de atraso já não há mais paciência que resista. Maria Luíza chora, estraga toda a maquiagem, entra no carro e pede que a levem embora dali para bem longe. Seu pai conta os prejuízos com o casamento, com a festa e tudo mais. A mãe acompanha o choro da filha. Chega a notícia que João Vitor, empresário de sucesso, deu um golpe na empresa do futuro sogro e no momento descansa talvez, em alguma ilha paradisíaca bem longe dali.

***

E na periferia - 20 horas - Maria está linda, o vestido ficou quase perfeito, não fosse o comprimento um pouco exagerado, mas, ela tira isso de letra, levanta a saia com as mãos e anda tropeçando com o sapato um número menor que o seu. Como a igreja é a duas quadras de sua casa, ela decide ir a pé mesmo porque o calor está forte, pede para algumas crianças segurarem a longa calda do vestido para não sujar, afinal, muitas ainda precisariam usá-lo.

Chega à porta da igreja, se ajeita toda, pede que estiquem seu véu e calda e aguarda silenciosa a autorização para entrar na igreja. Aguarda mais de meia hora e resolve gritar com o padre:

- Como é padre José, esse casório sai ou não sai? To derretendo aqui dentro desta roupa!

Sua mãe vem ao seu encontro e diz que o noivo, João, ainda não chegou.
Maria faz uma careta muito feia e desconjura o noivo:

- Eu sabia que aquele filho da mãe ia me aprontar, ele estava muito bonzinho ontem, até me pagou umas cervejas. Vou esperar mais meia hora, se o infeliz não chegar ele está frito.

Calmamente, Maria se senta na escadaria da igreja e termina de roer o restinho do esmalte cor de rosa da unha. Quando a igreja dá suas nove badaladas, ela se levanta, Arranca o véu da cabeça, tira o sapato apertado, arranca o vestido de noiva e pede para a mãe guardar tudo. Empresta o chinelo da mãe e sai pela rua com a camisola branca que seria uma surpresa para o noivo.

Maria chega no bar do Alaor e vê João sentado com a cabeça recostada na parede, completamente bêbado. Ela agarra seu braço, puxa, derrubando ele no chão. Pega o chicote do cavalo que está amarrado em frente ao bar e dá-lhe uma surra que provavelmente nem saberá no dia seguinte, como conseguiu aqueles vergões na pele.

Quando a raiva dela passa e o coro de João sangra das chicotadas, ela respira fundo, ajeita o cabelo, e sai andando como uma princesa rumo a sua casa.

Escrito em 06/09/2004

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